Marcos 7:1-23 – O Engano das Tradições Humanas

O evangelho de Marcos nos apresenta, nesta passagem, uma lição sobre a verdadeira pureza que vem de Deus, contrastando as tradições humanas exteriores que não tem poder nenhum para nos transformar. A passagem pode ser dividida em três momentos principais: (1) os fariseus e a tradição humana (versos 1-5), (2) a crítica de Jesus às tradições dos homens (versos 6-13), e (3) a explicação de Jesus sobre a verdadeira fonte de impureza (versos 14-23). Jesus expõe a hipocrisia espiritual dos fariseus, apontando para o Evangelho da graça, que supera a tentativa humana de purificação por meio de méritos ou rituais.

1. Os Fariseus e a Tradição dos Líderes Religiosos (Marcos 7:1-5)

Os fariseus e mestres da lei vindos de Jerusalém se reúnem a Jesus para questionar a prática de seus discípulos. Sua principal acusação é que os discípulos de Jesus comiam pão com “mãos impuras”, ou seja, sem se submeter ao ritual cerimonial do lavar das mãos. Marcos explica (7:3-4) que este ritual era uma rigorosa tradição transmitida pelos líderes religiosos e amplamente seguida pelos judeus. Os fariseus, porém, elevavam essas tradições humanas ao nível de mandamentos de Deus.

O texto deixa claro que os fariseus criaram um sistema de pureza baseado em aparências externas, preocupado com o que pode ser medido e controlado no comportamento exterior das pessoas. Esse sistema permitia que eles exercessem um tipo de domínio sobre as pessoas, determinando quem era “puro” ou “impuro” e quem estava “dentro” ou “fora”. O problema, porém, é que eles focavam na purificação externa enquanto ignoravam a verdadeira fonte da impureza – o pecado que reside no coração humano. Na mentalidade deles, se alguém cumprisse as regras exteriores, estaria puro.

Essa concepção errada da impureza reconhecia que o mundo contém impureza, mas acreditava que ela era algo externo e que, por meio de seus próprios esforços (como rituais de lavar-se), poderiam se manter limpos diante de Deus. Essa visão, no entanto, é corrigida por Jesus mais adiante, quando Ele explica que a impureza verdadeira não vem do exterior, mas do interior (v.15).

No Antigo Testamento, apenas os sacerdotes eram obrigados a lavar as mãos para poder entrar no tabernáculo e servir a Deus (Êxodo 30:19; 40:13; Levítico 22:1-6). As demais pessoas eram obrigadas a lavar as mãos apenas se tocassem algo impuro (Levítico 15:11). Para os fariseus, no entanto, tudo aquilo que sai do homem era considerado impuro: menstruação, cuspe, esperma, pus, etc. Consequentemente, leprosos e mulheres no seu período eram vistos como impuros.

Essa visão distorcida da pureza externa levava a implicações graves. Jesus, por exemplo, seria considerado o mais impuro de todos os homens, pois lidava com pessoas com espíritos imundos (Marcos 1:23), tocava em leprosos (1:41), estava com coletores de impostos e gentios (2:13; 5:1), foi tocado por uma mulher com fluxo de sangue (5:30), tocou em cadáveres (5:41) e, comeu junto com uma multidão sem lavar as mãos (6:30-44).

2. Jesus e a Tradição dos Homens (Marcos 7:6-13)

Na resposta de Jesus à acusação dos fariseus, Ele usa as palavras do profeta Isaías (Isaías 29:13) para expor a hipocrisia dos líderes religiosos: “Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em vão me adoram; os seus ensinamentos não passam de mandamentos ensinados por homens.” (Marcos 7:6-7). 

Jesus denuncia que os fariseus tinham uma religiosidade marcada pelo vazio espiritual. Embora externamente parecessem honrar a Deus, seus corações estavam distantes. Suas ações não eram movidas por um amor genuíno a Deus, mas sim por temor aos homens e pela busca de agradar pessoas. Esse tipo de atitude é o oposto da adoração verdadeira.

No verso 8, Jesus afirma: “Vocês negligenciam os mandamentos de Deus e se apegaram às tradições dos homens.” Para ilustrar isso, Jesus cita a prática distorcida do “corbã”. Segundo essa tradição, um filho poderia declarar uma ajuda financeira ou material destinada aos pais como “corbã” — isto é, uma oferta dedicada a Deus — e, assim, se isentar de sua responsabilidade de honrar seus pais, conforme ordenado pela Lei de Moisés (Êxodo 20:12). Essa tradição humana invalidava o mandamento de Deus de honrar os pais que era o quinto mandamento.

Aqui fica evidente o problema central das tradições humanas: elas anulam a Palavra de Deus. Os fariseus não estavam realmente interessados em obedecer a Deus, mas em criar sistemas religiosos que exaltavam a si mesmos e mantinham os outros sob controle. Enquanto vivermos para agradar os homens, jamais será possível agradar a Deus (Gálatas 1:10).

3. Jesus Aponta a Raiz do Problema: O Pecado que Vem do Coração (Marcos 7:14-23)

Após se dirigir à multidão, Jesus faz uma declaração revolucionária: 

“Não há nada fora do homem que, nele entrando, possa torná-lo impuro. Pelo contrário, o que sai do homem é que o torna impuro” (Marcos 7:15). 

Mais tarde, quando os discípulos pedem explicação, Jesus detalha sua afirmação. Ele deixa claro que a verdadeira origem da impureza não é o que entra no corpo (como os alimentos), porque isso não afeta o coração, mas apenas o estômago (v.18-19). Em uma inclusão significativa, o evangelista acrescenta: “Ao dizer isso, Jesus declarou puros todos os alimentos” (v.19), deixando claro que o sistema cerimonial da Lei era incapaz de transformar o coração humano.

Jesus segue afirmando que a real fonte de impureza é o coração do homem: “Pois do interior do coração dos homens vêm os maus pensamentos, as imoralidades sexuais, os roubos, os homicídios, os adultérios, as cobiças, as maldades, o engano, a devassidão, a inveja, a calúnia, a arrogância e a insensatez. Todos esses males vêm de dentro e tornam o homem impuro” (Marcos 7:21-23). 

Aqui está o ponto culminante da passagem. Jesus ensina que o problema do ser humano não é externo, mas interno. Ele está apontando para o pecado enraizado no coração humano, algo que nenhuma tradição, ritual ou esforço humano pode purificar. Isso revela a necessidade da graça de Deus e do Evangelho.

A Lei de Moisés nunca foi dada como um meio para a salvação pelos méritos humanos, mas como um guia que expõe nossa incapacidade de cumprir o padrão santo de Deus (Romanos 3:20-24). A mensagem de Jesus, portanto, aponta para uma solução que vem de fora de nós mesmos: a justificação pela graça, alcançada por meio da fé na obra de Jesus Cristo (Efésios 2:8-9).

Conclusão

A passagem de Marcos 7:1-23 não é apenas uma crítica às tradições humanas e à hipocrisia dos fariseus, mas também uma declaração sobre a essência do Evangelho. Jesus nos lembra que nossa pureza ou impureza não pode ser determinada por práticas externas, mas pelo estado de nosso coração.

Enquanto os fariseus confiavam em tradições, rituais e méritos humanos, Jesus aponta para a necessidade de uma intervenção divina. A verdadeira transformação ocorre quando reconhecemos nossa incapacidade de nos purificar e confiamos na graça de Deus e na obra redentora de Cristo.

Essa passagem é um convite para sairmos de uma religiosidade vazia e abraçarmos o Evangelho, que transforma o coração e nos capacita a viver uma vida genuína em comunhão com Deus. “Deus vê o coração, não a exibição!” 

Pr. Rodrigo Azevedo 

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