É muito comum para nós (uma igreja de imigrantes) quando nos conhecemos, depois de perguntarmos o nome uns dos outros, fazer uma segunda pergunta: De onde você é do Brasil? Que cidade? Quem são seus pais? A partir das respostas já vamos fazendo conexões e, para alguns, vamos até avaliar se essa é uma boa pessoa ou não. Creio que uma história que ilustra isso muito bem é a história do rei George VI.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a Inglaterra enfrentava o desafio de unir o povo contra o avanço da Alemanha nazista. O rei George VI, pai da rainha Elizabeth II, era uma figura central nesse esforço. Mas havia um problema. Algumas pessoas questionavam a legitimidade e força moral do rei para liderar a nação, especialmente porque ele não havia sido originalmente preparado para o trono (ele assumiu após a abdicação de seu irmão, Edward VIII). Foi então que alguns conselheiros do rei decidiram lembrar o povo da importância da linhagem de George VI. Eles fizeram questão de destacar que o rei era parte de uma longa genealogia que remontava a épocas memoráveis da história da Inglaterra. Eles ressaltaram que ele era descendente de reis que governaram nos momentos mais difíceis da história britânica, carregando o legado de líderes que estabeleceram ordem, justiça e coragem.
Essa lembrança mudou a forma como o povo enxergava o rei. Ele não era apenas mais uma pessoa no trono: ele era o herdeiro de uma história que definia a identidade e a força do país. Essa linhagem deu confiança ao povo, que passou a olhar para seu rei como alguém digno de liderá-los em tempos tão difíceis. Anos mais tarde, quando a princesa Elizabeth se tornou rainha, sua genealogia também foi um ponto central de sua importância como monarca. Sua linhagem conectava toda a nação à história da realeza britânica, criando um senso de pertencimento e continuidade para o povo.
Semelhantemente, Mateus tem esse objetivo ao relatar a genealogia de Jesus. Ele quer deixar muito claro quem Jesus é. Ele é o nosso Rei que por causa da sua linhagem (filho de Deus), tem o poder e a autoridade para nos liderar em vitória conquistando todos os nossos inimigos.
As genealogias tinham uma função muito importante para os povos da antiguidade. Elas eram muito importantes especialmente para garantir legitimidade ao trono, para demonstrar realeza, importância, e até mesmo para garantir uma herança de alguém muito rico. Mateus, então, no início do seu evangelho, começa usando as duas figuras mais importantes da história de Israel, o rei Davi e o patriarca Abraão, aquele que dá origem ao povo de Israel.
A genealogia de Jesus em Mateus serve como um alicerce para mostrar quem Ele era e por que Ele era digno de ser chamado de Messias. Ao listar nomes como Abraão e Davi, Mateus está declarando: Jesus não é um Messias qualquer; Ele é aquele prometido por Deus através das gerações. Ele está afirmando a legitimidade, autoridade, realeza e a conexão de Cristo com a história redentora que Deus preparou. Além disso, Jesus não apenas era Filho de Davi e de Abraão; Ele dava um passo além: tornava-se o Salvador de todos os povos, de todas as genealogias. Não importa de onde venham as pessoas que estão nas igrejas hoje – todas podem ser enxertadas na família de Cristo. Sua genealogia nos dá uma nova identidade, crise ou não, imigração ou não, pois agora fazemos parte do plano eterno de Deus.
1 – Deus cumpre as suas promessas, mesmo que tudo possa parecer perdido
Mateus começa afirmando que Jesus é filho (na verdade a palavra original em grego poderia ser traduzida como descendente) de Davi (v.1). Mas por que Mateus começa dizendo que Jesus era descendente de Davi? Em primeiro lugar, porque Davi foi o maior, o mais famoso, e o mais amado rei da história de Israel. Em segundo lugar, porque Deus havia feito uma promessa eterna a Davi de que nunca lhe faltaria um herdeiro no seu trono (2 Sm 7:16). Contudo, quando olhamos para a história de Israel, vemos que, ainda com Davi, as coisas não vão tão bem. Depois do seu pecado com Bate-Seba (2 Sm 11), vemos que, mesmo que Davi continue no trono, a sua vida é destruída e ele nunca mais foi quem ele era.
As coisas não melhoram com os seus descendentes. Os descendentes de Davi não foram fiéis ao Senhor e levaram a nação à idolatria e a abandonar a Deus, o que consequentemente os levou ao cativeiro babilônico (2 Rs 24-25). Mesmo depois que voltaram do exílio, as coisas nunca mais foram as mesmas, e nenhum descendente de Davi voltou ao trono de Israel. Na verdade, Israel nunca mais teve reis governando. Agora eles são governados e oprimidos por reis estrangeiros. Então, nesse período, começa a nascer com os profetas e a se desenvolver pela história de Israel uma expectativa messiânica: a expectativa de que um novo rei da linhagem de Davi um dia viria. Isso acontece porque, aos olhos humanos e para muitas pessoas, parecia que as promessas de Deus tinham falhado. Parecia que Deus havia abandonado o seu povo e que nunca cumprira as suas promessas a Davi.
Mateus também diz que Jesus é filho (descendente) de Abraão. Deus havia chamado Abraão para sair da sua terra, do meio dos seus parentes, e ir para uma nova terra onde Deus o abençoaria e faria a sua descendência impossível de ser contada (Gn 12 e 15). Mas depois de muito tempo, agora na época de Jesus, a nação não passa de um pequeno país dominado por um império gigantesco, que era Roma. Outra vez, olhando para as circunstâncias, parece que as promessas de Deus falharam. Parece que Deus não foi poderoso o suficiente para cumprir as suas promessas para Israel, o seu povo, prometidas aos seus antepassados.
Contudo, o verso 1 deixa claro que Deus é o Deus que cumpre as suas promessas. E Ele não apenas cumpre as suas promessas, mas as cumpre de maneira muito maior e maravilhosa do que possamos pedir ou imaginar (Ef 3:20; 1 Co 2:9). O tempo pode passar e as circunstâncias podem mudar, mas as promessas de Deus vão sempre ser cumpridas mesmo que pareça que tudo esteja acabado ou seja impossível. Essa é a mensagem do Natal: Deus cumpre as suas promessas!
2 – Deus cumpre as suas promessas, mesmo que os homens pequem e planejem o mal
Isso é demonstrado claramente na genealogia de Jesus. Na lista de nomes que temos nos versos 2 a 16, temos pessoas que foram terríveis, que cometeram pecados horríveis e que tramaram coisas horrendas. Mas nada disso tirou o controle das mãos de Deus. Jacó (v.2) era um trapaceiro, um enganador (Gn 27). Judá (v.2), junto com seus irmãos, queria a morte de José, mas então teve o brilhante plano de vender o próprio irmão e mais tarde mentiu para o seu pai Jacó sobre o que acontecera com seu irmão (Gn 37:26). Depois disso, Judá engravidou a sua nora, Tamar (v.3), que considerava ser uma prostituta cultual, que por sua vez agiu assim porque o seu direito lhe havia sido tirado por Judá (Gn 38). Davi (v.6), apesar de ser um homem segundo o coração de Deus (1 Sm 13:14; At 13:22), foi capaz de possuir a esposa de um dos seus comandantes do exército e, depois que soube que ela estava grávida, ordenou a morte de Urias (2 Sm 11-12). Salomão (v.6), o rei mais sábio e rico de Israel, apesar de começar bem, honorando e buscando o Senhor, termina muito mal, abandonando o Senhor e se casando com mulheres estrangeiras que o levaram à idolatria (1 Rs 11). Roboão (v.7), filho de Salomão, levou a nação ao caos, promovendo divisão e idolatria (1 Rs 12). Abias (v.7) e Jorão (v.8) levaram a nação à idolatria. Acaz (v.9) chegou a oferecer seus filhos em sacrifício (2 Rs 16). Manassés (v.10) foi um dos piores reis de Judá. Não apenas promoveu a idolatria, como também sacrificou crianças aos demônios e praticou adivinhação e feitiçaria (2 Rs 21). Amom (v.10) e Jeconias (v.11) continuaram com o legado de idolatria (2 Rs 21 e 24). Isso tudo levou a nação ao exílio babilônico (2 Rs 24-25).
Quando olhamos para essa história de pecado, idolatria e desobediência, poderíamos pensar: onde está Deus no meio de tudo isso? Ele está no mesmo lugar onde sempre esteve: no trono, governando soberanamente tudo o que acontece, restringindo a maldade do homem e conduzindo a história para que os seus planos sejam cumpridos. Deus cumpre as suas promessas, apesar de todas as maquinações diabólicas dos homens. Apesar do pecado, Deus continua soberano e no controle de tudo para cumprir as suas promessas. Mas essa genealogia ainda nos ensina outro ponto importante.
Deus não tem plano B. Apesar de toda a maldade e do pecado humano, Deus tem o controle da história nas suas mãos e é poderoso para cumprir o que prometeu na sua Palavra. Isso também nos ensina que Deus não obedece às nossas agendas e o nosso tempo. O tempo de Deus é perfeito o nosso não. Deus sabe exatamente o que precisa fazer e a hora que Ele precisa fazer. Então podemos confiar no Senhor que Ele não se atrasa ou se adianta. Ele age no seu tempo perfeito.
3 – Deus cumpre as suas promessas para pecadores e marginalizados
Uma coisa que salta aos olhos quando conhecemos a maneira com que genealogias eram escritas na história de Israel e como a sociedade do primeiro século fazia seus registros genealógicos é a presença não uma, mas cinco mulheres na genealogia de Jesus. Mulheres não eram inseridas em genealogias. A linhagem se mantinha por causa dos homens e não das mulheres. Mulheres eram incluídas apenas em casos extremos onde elas eram muito proeminentes e importantes, o que não é o caso das mulheres inseridas por Mateus na genealogia de Jesus.
Tamar (v.3) era uma mulher estrangeira que foi desprezada por Judá, seu sogro, e teve que se passar por uma prostituta para poder conseguir ter um filho que a tiraria da sua situação de vergonha e abandono (Gn 38). Raabe (v.5), além de estrangeira, era uma prostituta, inimiga do povo de Deus, que Deus havia condenado para a destruição (Js 2:1-24). Rute (v.5), uma moabita, portanto estrangeira. Os moabitas não podiam ser aceitos no meio do povo de Deus (Dt 23:3-6). Ela era do povo inimigo. Era pobre, sem nenhum tipo de nobreza ou importância (Rute 1-4). Bate-Seba, ou a mulher de Urias o hitita (v.6), foi a mulher com quem Davi cometeu adultério e teve o seu marido morto pelo rei (2 Sm 11-12). Era também uma estrangeira que muitos duvidam de sua integridade moral. Maria (v.16), uma mulher simples, sem importância e pobre. Todos os nomes que antecedem Maria vão dar as bases para toda a desconfiança gerada no nascimento de Jesus (1:18-24).
O que todas essas mulheres e suas histórias nos ensinam? Que Deus cumpre as suas promessas, e essas promessas são muito mais inclusivas do que podemos imaginar. Agora, por causa de Jesus, as mulheres que nem sequer eram contadas ou importantes agora são incluídas na história de Jesus. Elas que eram estrangeiras agora são parte fundamental da família de Deus. A inclusão das mulheres também deixa claro que Deus está destruindo em Jesus todas as distinções raciais, de classe ou de importância feitas pelos homens. Agora, os gentios que eram odiados e separados são importantes, trazidos para perto e feitos família. Que todos nós, pecadores, pois não existe nenhum justo (Rm 1-3), podemos ser perdoados por meio de Jesus, o Messias. Essa é a mensagem do Natal: Deus cumpriu a sua promessa nos enviando Jesus, o seu Filho, para nos fazer família. Não importa quem você seja, não importa o seu povo, a sua escolaridade, a sua importância ou o seu dinheiro, existe perdão e salvação para você em Jesus.
A história de Raabe (Js 2:1-24) é a nossa história. Raabe era uma estrangeira. Uma prostituta. Uma pecadora. Ela fazia parte do povo de Jericó que Deus havia ordenado que fosse destruído. Ela fazia parte do povo inimigo de Deus. Assim como ela, todos nós éramos estrangeiros. Vivíamos afastados da presença de Deus, nos prostituindo na idolatria dos nossos pecados, buscando satisfazer a maldade da nossa carne e escolhendo desobedecer a Deus. Por isso, nós estávamos destinados ao inferno, à destruição eterna. Mas, assim como Raabe, um cordão vermelho foi colocado sobre as nossas vidas. Esse cordão é o sangue de Cristo que nos purifica e nos perdoa de todos os nossos pecados, que agora nos inclui na família de Deus. Já não somos mais estrangeiros e inimigos, mas filhos pela fé em Jesus, o nosso Senhor.
4 – Deus cumpre as suas promessas em nos tirar do exílio (v.17)
Deus enviou Jesus para nos tirar do exílio e nos levar ao seu descanso sabático (v.17). É interessante notarmos que a genealogia de Jesus começa com os dois nomes mais importantes da história de Israel, Davi e Abraão (v.1). Esses homens recebem promessas maravilhosas de um futuro próspero e maravilhoso de Deus. Mas a genealogia termina com a situação atual de Israel, mesmo que não mais no exílio babilônico, ainda num exílio espiritual. Sem um rei, e debaixo da opressão romana. O que Mateus quer nos deixar muito claro aqui é que Jesus veio para nos tirar do exílio, no novo e final Êxodo. Nos tirando da escravidão do pecado, nos trazendo de volta para a presença de Deus como filhos e nos levando para a nova Jerusalém, a nossa terra prometida, onde estaremos com o Senhor para sempre.
Essa é a mensagem do Natal. Deus cumpre as suas promessas, mesmo que tudo possa parecer perdido. Deus cumpre as suas promessas, mesmo que os homens pequem e planejem o mal. Deus cumpre as suas promessas para pecadores e marginalizados. Deus cumpre as suas promessas em nos tirar do exílio e nos levar para a terra prometida. E Ele faz tudo isso através de Jesus, o Messias que encarnou e se tornou um bebê.
Qual a importância de começar o evangelho com uma genealogia? Mateus deixa claro que o nascimento de Jesus é um fato histórico e não uma lenda ou um mito. E se esse relato é um evento histórico você não pode ficar apático a isso. Você não pode escutar a história do Natal e sua vida continuar a mesma. Se Jesus nasceu e a história prova que ele nasceu. Se ele morreu e ressuscitou então eu preciso tomar uma atitude diante desses fatos históricos. Se Jesus veio e ele veio, isso muda tudo. Jesus é a realização de todas as promessas de Deus para nós. Ele é o presente do Natal.
Feliz Natal!
Pr. Rodrigo Azevedo.